segunda-feira, 13 de abril de 2009

Velho Continente, Conhecimento Novo

"O lançamento do programa PRO-IDEAL no Brasil, sob a coordenação do grupo de pesquisa Cidade do Conhecimento em parceria com o Núcleo de Política e Gestão Tecnológica (PGT) da USP, reuniu lideranças acadêmicas, empresariais e políticas em dois dias de palestras e oficinas (6 e 7 de abril).

Reproduzimos o artigo publicado pelo jornal Folha de S. Paulo (8/4/2009):

TENDÊNCIAS/DEBATES

Velho continente, conhecimento novo

GILSON SCHWARTZ e GUILHERME ARY PLONSKI


A questão essencial agora é decidir sobre os futuros modos de usar essa extraordinária infraestrutura de inteligência coletiva


A CRISE econômica global tem um didatismo extraordinário, pois a lógica mais crua do mercado vem a nu quando o normal torna-se patológico. Seja pelas imperfeições, seja pelos méritos, fica mais fácil entender o sistema.
As atenções concentram-se natural e perversamente nos aspectos negativos da crise, ou seja, em tudo aquilo que parou de funcionar. Da quebra do sistema financeiro ao colapso do comércio mundial, passando pela insuficiência das instituições públicas nacionais e internacionais e culminando na fragilidade das políticas econômico-financeiras, sejam elas monetárias, sejam fiscais. Que fazer?
O primeiro passo na longa marcha da recuperação econômica é justamente dar a devida atenção aos ativos que não foram destruídos, aos sistemas que não apenas continuam firmes e fortes como podem vir a ganhar valor, rapidamente, mesmo em meio ao cenário de caos, destruição e reputações devastadas.
Entre os escombros financeiros e contábeis, torna-se mais nítida a formidável herança de um sistema global de inovação tecnológica centrada nas tecnologias de informação e comunicação, as TICs. As redes digitais em “tempo real” ganharam vigor extraordinário servindo como suporte à especulação financeira, mas as tecnologias subjacentes sobrevivem ao colapso dos ativos fictícios que ajudaram a inflar.
A questão essencial agora é decidir sobre os futuros modos de usar essa extraordinária infraestrutura de inteligência coletiva. A infraestrutura de telecomunicações digitais ultrapassa a tangibilidade das redes técnicas. O exemplo mais notório vem da União Europeia. Enquanto governos lutam para enfrentar a crise com ferramentas e instituições do passado, a UE investe cerca de 50 bilhões de euros em programas de ciência, tecnologia e inovação, com destaque para ofertas internacionais de financiamento para o desenvolvimento da internet do futuro.
É um exemplo de cooperação internacional, e não só de defesa dos polos internos e já estabelecidos de poder e conhecimento. É a semente de uma globalização sustentável, pois tem como suporte a criação e o desenvolvimento de redes de conhecimento. No velho continente, aliás, muito antes de as redes digitais se tornarem a realidade híbrida na qual estamos imersos cotidianamente, Diderot usou o termo “réseaux” para indicar algo que não era da ordem da técnica, mas indício do nosso principal ativo, cujo valor depende sempre de uma articulação entre a matéria e o espírito: o conhecimento.
Contra uma visão instrumental, cartesiana, de um poder derivado do “cogito”, Diderot (e Bruno Latour relendo na contemporaneidade o conceito de “rede”) nos convida a construir e participar de redes vivas, capazes de produzir conhecimento e riqueza novos.
As redes de informação e comunicação pulsam ao nosso redor, abertas à inovação na geração de riqueza, emprego e renda em todos os setores da sociedade. É nessa dimensão que se formam e difundem ondas humanas de inteligência, desenvolvimento e criação. Delas brota conhecimento novo, portanto, novos mercados, valores, produtos, serviços e hábitos, modelos de cultura livre e um empreendedorismo da razão.
O ideal iluminista que, desde o seu alvorecer no velho continente, já atravessou quadras mais ou menos sombrias pode, sob o impulso também luminoso das interfaces digitais, inspirar e movimentar um novo ciclo de desenvolvimento e humanidade.
Na crise, em especial, a sobrevivência de cada indivíduo, empresa ou nação é a cada dia mais dependente da nossa capacidade de acessar, distribuir e criar informação, conhecimento e valor em redes.
Os sistemas nacionais de inovação, as redes globais de cooperação em ciência, tecnologia e cultura, a internet do futuro representam uma plataforma que ganhou densidade no ciclo de acumulação de capital mais recente. Essa vasta e em boa medida nebulosa constelação de ativos e talentos pode ser colocada a serviço da construção de uma sociedade global em redes mais equilibrada, sustentável e inteligente.
Investir recursos públicos e privados no fortalecimento dessa infraestrutura de redes digitais é abrir hoje os novos espaços para criação de renda, identidade e conteúdos locais e globais que integrarão a economia do conhecimento do século 21.

GILSON SCHWARTZ, economista, sociólogo e jornalista, é professor de economia e coordenador do grupo de pesquisa Cidade do Conhecimento, da USP (www.cidade.usp.br), e coordenador no Brasil do consórcio Promoção do Diálogo sobre Tecnologias de Informação e Comunicação entre União Europeia e América Latina - Pro-Ideal (www.pro-ideal.eu/).

GUILHERME ARY PLONSKI, engenheiro, é coordenador científico do Núcleo de Política e Gestão Tecnológica da USP (www.usp.br/pgt) e presidente da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (www.anprotec.org.br)."


FONTE: http://www.cidade.usp.br/blog/secao/cidade-na-midia/

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